"No fundo o que é um maluco? É qualquer coisa de diferente, um marginal, uma pessoa que não produz imediatamente. Há muitas formas de a sociedade lidar com estes marginais. Ou é engoli-los, tranformá-los em artistas, em profetas, em arautos de uma nova civilização, ou então vomitá-los em hospitais psiquiátricos"

António Lobo Antunes

04/12/2010

Esquizofrenia:a Vida para além da Doença

Correio do Minho - Notícias
Por Sónia Sousa 2010-12-04

A esquizofrenia, que afecta entre 70 mil a 100 mil portugueses é uma das doenças psiquiátricas mais graves, é uma doença do cérebro, que afecta gravemente a forma de pensar, a vida emocional e o comportamento em geral.

António Palha, presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental e director clínico da Casa de Saúde do Bom Jesus explica que é das doenças mais graves porque 'ocorre com um sintoma central que é a perda do juízo crítico da pessoa. A pessoa tem uma compreensão da realidade que é diferente das outras'.

Alucinações (observar as coisas de forma diferente), delírios (crenças de natureza bizarra ou paranóide que não são verdadeiras), alterações do pensamento ou medo são alguns dos sintomas da esquizofrenia.
Uma importante característica reside no facto de os doentes com esquizofrenia não terem qualquer ideia de que estão a sofrer da doença. Perdem contacto com a realidade.
 


Parte da esquizofrenia terá base genética
A esquizofrenia aparece, na maioria dos casos, no fim da puberdade, mas é também uma doença que pode estar uma vida inteira sem se manifestar.
Parte das esquizofrenias terá uma base genética mas o desenvolvimento da doença pode também ser provocado; por exemplo, as drogas e o álcool podem ser factores desencadeantes.


No caso das drogas, António Palha refere que “as pessoas que têm predisposição para a doença e abusam dessas substâncias têm um risco imenso de ter uma esquizofrenia. Quem não tem predisposição poderá também, pelo uso excessivos de estupefacientes, acabar por ter um funcionamento cerebral que é também diferente do normal. Aquilo que é uma experiência passageira, de tanto repetir-se passa a ser a norma”, adverte o clínico.


Virgílio acredita que no seu caso foram as drogas e o álcool que acordaram a esquizofrenia. Aos 19 anos, a doença manifestou-se pela primeira vez, levando-o ao primeiro internamento.
Negou ser esquizofrénico durante quatro anos, até que foi novamente internado.


Sinais precoces de alarme para a esquizofrenia:

* Isolamento social e deixar de passar muito tempo com pessoas da mesma idade;
* Perda de memória, por exemplo esquecer-se onde as coisas foram colocadas;
* Alterações da percepção: quando os objectos mudam subitamente de tamanho ou de cor;
* Paranóia: pensam que alguém está a falar acerca delas e que as coisas estão a ser feitas 'nas suas costas';
* Preocupação extrema com religião, filosofia, ocultismo, etc.; ou mesmo tornar-se membro de uma seita ou culto;
* Alterações do pensamento: argumentos incoerentes, ilógicos ou abstractos;
* Dificuldade em manter a atenção: distrair-se com facilidade;
* Depressão;
* Agressão, irritabilidade ou hostilidade inesperada;
* Falta de energia;
* Perturbações do sono: muitas vezes acordado/a à noite e a dormir durante o dia;
* Medo, tremor das mãos ou voz trémula;
* Perda de apetite, ou pelo contrário apetite voraz;
* Deterioração da higiene pessoal, ex. tomar muito poucas vezes banho ou lavar-se raramente;
* Problemas de integração;
* Delírios


Virgílio: um caso de sucesso


Antes de estar medicado, Virgílio chegou a acreditar que era Deus. Ao ‘Correio do Minho’ descreveu os delirios e alucinações: 'ouvia barulhos e vozes que associava a tarefas rotineiras, por exemplo sempre que ligava uma torneira para tomar banho. Desconfiava bastante do que me rodeava. Até as imagens que via na televisão as associava a mim. Achava que as guerras eram por minha culpa, porque eu não conseguia resolver as coisas. Achava-me o centro das atenções, até cheguei a achar que era Jesus Cristo'.

Foi a partir do segundo internamento que tomou consciência de que era doente, importante para aceitar a doença foi também o apoio psicológico que teve na clinica Aldom, em Braga.
O internamento, numa fase aguda da doença, é fundamental para que sejam criadas as condições para a reorganização da mente. António Palha defende que 'haver tempo para estudar o caso e uma observação diária pela equipa que acompanha o doente é fundamental para que sejam criadas as condições de reorganizar uma mente que está muito perturbada'. No entanto, o clínico esclarece também que há casos, que detectados precocemente, podem ser tratados em ambulatório.

No tratamento destes doentes é importante também a psicologia, Marta Alves, da clínica Aldom, onde Virgílio foi acompanhado, referiu à nossa reportagem que 'a psicoterapia ajuda o doente a perceber que realmente padece dessa doença e que precisa de ajuda, quer a ajuda farmacológica, que é fundamental, quer a ajuda a nível da psico-educação e do confronto com a esquizofrenia; como poderá lidar com os sintomas e ao mesmo tempo ter uma vida normal'.
É muito importante nestes casos, como em qualquer outra doença, que sejam detectados precocemente.

António Palha diz que cerca de metade dos doentes podem ter uma vida normal.
O Virgílio, refere Marta Alves, “é um caso de sucesso, uma vez que conseguiu colmatar a lacuna social e ocupacional que surgiu na altura que percebeu que tinha os sintomas da doença. Tem dois livros escritos e um negócio próprio. Tem autonomia total'.

Virgílio sente-se outra pessoa desde que iniciou o tratamento 'sinto mais auto-estima, uma forma melhor de ver as coisas, o mundo em si. Sinto mais segurança e estou muito dedicado ao trabalho'.
Tem a própria empresa e dois livros editados, que falam sobre a doença e o seu caso. O primeiro intitulado 'Uma luz no vazio, um ponto no infinito - Grafomania' foi escrito durante o segundo internamento. Com o segundo 'Mentiste-me mente', pretende pôr um ponto final naquela fase da sua vida.

A família funciona como um dos pilares mais importante na recuperação de um doente. Marta Alves refere que 'a familia reage com choque ao diagnóstico da doença. Há uma tendência para negar inicialmente e para pensar que é uma coisa menor. Mas a aceitação da família vai ser fundamental para depois o doente se adaptar à própria doença'.

No caso do Virgílio, a família não aceitou totalmente a doença já que continua a associar os comportamentos apenas ao álcool e às drogas.
O estigma associado à doença mental é dos principais obstáculos para o tratamento e controlo da esquizofrenia. António Palha diz que 'não podemos ter medo de recorrer ao psiquiatra porque quanto mais cedo se tratar melhor será o prognóstico'.

Virgílio sentiu o estigma. Na escola era apontado, e por isso, agora nas novas amizades que faz prefere não contar o passado, também porque não quer ser visto como um 'coitado'.
A vida que agora tem 'banal' era tudo com que sonhava na altura que tomou consciência de que era esquizofrénico.
Associada muitas vezes à loucura, a esquizofrenia é uma doença que controlada permite aos doentes uma vida normal.

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