"No fundo o que é um maluco? É qualquer coisa de diferente, um marginal, uma pessoa que não produz imediatamente. Há muitas formas de a sociedade lidar com estes marginais. Ou é engoli-los, tranformá-los em artistas, em profetas, em arautos de uma nova civilização, ou então vomitá-los em hospitais psiquiátricos"

António Lobo Antunes

06/01/2011

A Igualdade, esse Alimento da Alma




por Nicholas Kristof, Publicado em 05 de Janeiro de 2011   

Um estudo recente de dois epidemiologistas defende - e reúne uma enorme massa de dados em favor da tese - que a desigualdade prejudica e a igualdade beneficia a sociedade no seu todo  

John Steinbeck observou que "uma alma triste pode matar-nos mais depressa, muito mais depressa, que um micróbio". Esta intuição, já confirmada pela epidemiologia, deve estar presente na nossa mente numa altura em que a desigualdade é tão evidente que, em conjunto, 1% dos americanos, os mais ricos, dispõem de um património superior ao dos 90% da parte inferior da escala.

Há cada vez mais indicações de que o peso desta desigualdade chocante não é só económico, que ela se paga também com uma espécie de melancolia da alma. O seu resultado são taxas elevadas de crimes violentos, consumo de narcóticos, gravidez precoce entre adolescentes e níveis elevados de ataques de coração.

É esta a argumentação de um livro de dois conhecidos epidemiologistas britânicos, Richard Wilkinson e Kate Pickett. Ambos defendem que as desigualdades desmedidas dilaceram a psique humana, criam ansiedade, desconfiança e uma série de enfermidades mentais e físicas - apoiados numa massa enorme de dados.

"Se não conseguirmos evitar as grandes desigualdades, precisaremos de mais prisões e polícias", asseguram. "Teremos de enfrentar taxas mais altas de doenças mentais, uso de drogas e uma série de outros problemas." O assunto é explorado no livro "The Spirit Level: Why Greater Equality Makes Societies Stronger".

O núcleo do argumento é que os seres humanos são animais sociais e nas sociedades altamente desiguais os que se encontram nas camadas inferiores da hierarquia sofrem de uma série de patologias. Por exemplo, um estudo de longa duração realizado com funcionários públicos concluiu que contínuos, porteiros e outros profissionais de baixo estatuto morriam mais que os outros em consequência de enfarte, cancro ou suicídio e de geralmente tinham mais problemas de saúde. Há indicações de que isto também acontece entre outros primatas. Por exemplo, foram feitas experiências com macacos, que também são animais altamente sociáveis, metidos em gaiolas e ensinados a carregar numa alavanca para obter cocaína. Os que estão na base da hierarquia recorrem muito mais à cocaína que os do topo.

Outras experiências revelaram problemas físicos associados ao baixo estatuto, incluindo aterosclerose e aumento da gordura abdominal. Com os macacos acontece o mesmo que com o homem. Os investigadores concluíram ainda que os desempregados ou pessoas que sofreram revezes económicos tendem a ganhar peso. Um estudo desenvolvido ao longo de 12 anos nos EUA encontrou uma correlação entre a diminuição do rendimento e o aumento médio de peso. Em todo o mundo há ainda uma forte correlação entre desigualdades e abuso de drogas. Paradoxalmente, em países, como a Holanda, onde as leis contra o uso de drogas são mais flexíveis, o consumo doméstico é relativamente baixo, talvez por serem mais igualitários.

Wilkinson e Pickett espremem bem os números e mostram que a relação se repete no que diz respeito a uma série de outros problemas sociais. Entre os países ricos, é onde as desigualdades são maiores que parece existir mais problemas de doença mental, mortalidade infantil, obesidade, abandono escolar, gravidezes de adolescentes, homicídios e por aí fora. O mesmo se revela quando se compararam os 50 estados americanos. Os estados onde as desigualdades são maiores, como o Mississípi e o Louisiana, têm estatísticas preocupantes Nos estados onde as desigualdades são menos radicais, como o New Hampshire e o Minnesota, os indicadores são mais positivos.

Mas afinal por que razão é a desigualdade tão prejudicial? "The Spirit Level" sugere que a desigualdade boicota a confiança social e a vida comunitária, corroendo as sociedades no seu conjunto. Também sugere que os seres humanos, enquanto seres sociais, ficam sujeitos a uma tensão invulgar quando se encontram no fundo de qualquer hierarquia. Esta tensão provoca alterações biológicas, por exemplo a libertação de hidrocortisona, uma hormona, e a acumulação de gordura abdominal (talvez uma adaptação evolucionária à aproximação de períodos de carência alimentar). O resultado são problemas físicos, como doenças coronárias, e sociais, como crimes violentos, desconfiança generalizada, comportamentos autodestrutivos e pobreza persistente. Outro dos resultados é o aparecimento de sistemas alternativos, em que as pessoas procuram conquistar o respeito dos outros e desenvolver algum amor-próprio, como os gangues.

É um facto que as pessoas não são todas semelhantes do ponto de vista das capacidades. Haverá sempre algumas mais prósperas e alguém tem de ficar no fundo da hierarquia.

No entanto, a desigualdade não tem de ser radical, opressiva e polarizada como é hoje em dia nos EUA. A Alemanha e o Japão conseguiram desenvolver economias modernas e eficientes com muito menos desigualdade e muito menos problemas sociais. Do mesmo modo, a distância entre os mais ricos e os mais pobres foi reduzida durante a administração Clinton, de acordo com os dados citado em "The Spirit Level", embora o período tenha sido de vigor económico.

"A desigualdade divide, e mesmo as pequenas diferenças parecem ter um peso enorme", observam Wilkinson e Pickett, que sugerem que não são apenas os pobres que beneficiam da coesão social que resulta da igualdade, mas toda a sociedade.

Assim, quando discutimos a política norte-americana para 2011 dos impostos sobre a compra de propriedades à protecção no desemprego e à educação pré-escolar, devemos ter presente o objectivo de reduzir as desigualdades assombrosas da América de hoje. Estas desigualdades parecem profundamente doentias, para nós e para a alma da nação.

Exclusivo i/The New York Times

Sem comentários:

Enviar um comentário