"No fundo o que é um maluco? É qualquer coisa de diferente, um marginal, uma pessoa que não produz imediatamente. Há muitas formas de a sociedade lidar com estes marginais. Ou é engoli-los, tranformá-los em artistas, em profetas, em arautos de uma nova civilização, ou então vomitá-los em hospitais psiquiátricos"

António Lobo Antunes

18/01/2011

Teatro da Malaposta leva à cena peça com doentes do Júlio de Matos - Sociedade - PUBLICO.PT

Dias 13 e 14 de Janeiro

12.01.2011 - 21:24 Por Daniela Adónis Carneiro
Que fronteiras separam a sanidade da loucura, a normalidade da anormalidade? É esta a pergunta que levanta a peça Limiar, apresentada pelo Grupo de Teatro Terapêutico do Hospital Júlio de Matos, amanhã e depois, no Centro Cultural Malaposta, em Odivelas.
Escrita pelo actor e encenador João Silva a partir de conversas e discussões de grupo com vários doentes do hospital, a peça foi apresentada pela primeira vez no Teatro Nacional D. Maria II, em Novembro de 2009. A boa recepção do público levou à realização de mais quatro espectáculos no Auditório do Instituto Português da Juventude. Posteriormente, face ao interesse suscitado pelo espectáculo e à indisponibilidade de salas para reposição, foi criado o projecto “Leituras e Diálogos com o texto Limiar”, com a leitura e discussão de excertos da peça em várias faculdades de psicologia do país.
João Silva dirige o Grupo de Teatro Terapêutico do Hospital Júlio de Matos desde a sua criação, em 1968. Nesse ano, vários pacientes, com o apoio de médicos e de amigos ligados à área do teatro, decidiram desenvolver um projecto que lhes permitisse levar à cena uma peça.
Actualmente, o grupo é constituído por 18 actores. Todos eles possuem um historial de doença mental, embora neste momento a maioria sejam pacientes externos. João Silva recusa a inclusão do grupo na área de reabilitação do hospital: “É, acima de tudo, um grupo de teatro, que poderia existir em qualquer outro sítio.” 
Para além da direcção do encenador, os pacientes contam com o acompanhamento de duas técnicas de saúde mental, Isabel Calheiros e Liliane Viegas. 
O grupo não dispõe de quaisquer apoios oficiais, recebendo apenas um subsídio do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa. “Há muito pouca gente e recursos”, diz João Silva.

“Fragmentos da vida”
Estamos a 12 de Janeiro, véspera da apresentação da peça Limiar na Malaposta. Segundo João Silva, o texto surgiu a partir de “fragmentos da vida ligados por um limiar daquilo que nós suportamos ou nos é permitido”.
No ensaio geral, o encenador aproveita para dar indicações e conselhos de última hora. 
Liliane Viegas, psicóloga e antiga dançarina, acompanha atentamente o desempenho dos actores. Trabalha no hospital há dois anos e, uma vez por semana, ajuda o grupo a desenvolver a sua comunicação não verbal através da DançaTerapia. “Estamos num ambiente criativo mas de contenção”, sublinha. Apesar de ocorrerem alguns esquecimentos nos ensaios, Liliane refere que, na “hora H” “os pacientes encarnam totalmente as personagens” e tudo corre bem.
“A nossa filosofia de existência é não tratar as pessoas como doentes mentais”, afirma a terapeuta ocupacional Isabel Calheiros, que colabora com o grupo desde 1992. “Existe uma tendência para manter uma distância face a estas pessoas, mas nós procuramos estar próximos”, acrescenta. 
“Atenção à linha que nos separa da outra margem. É ténue o limiar entre o que é ou não loucura”, repetem várias vezes os actores ao longo da peça, reforçando a ideia de que não existem “duas normalidades iguais” e que, por isso, é importante construir novas fronteiras e pensar para além do que é considerado socialmente correcto. 
Chamando a atenção para a bipolaridade da sociedade actual, onde “há cada vez mais ricos em abundância e pobres em extremo”, a peça Limiar é um murro no estômago. “E o louco, sou eu?!”, parece perguntar-nos.

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