"No fundo o que é um maluco? É qualquer coisa de diferente, um marginal, uma pessoa que não produz imediatamente. Há muitas formas de a sociedade lidar com estes marginais. Ou é engoli-los, tranformá-los em artistas, em profetas, em arautos de uma nova civilização, ou então vomitá-los em hospitais psiquiátricos"

António Lobo Antunes

30/03/2011

Estigma da Saúde Mental Ainda Existe

http://www.jornaldamadeira.pt/not2008.php?Seccao=14&id=179289&sdata=2011-03-28

Jornal Madeira, Março de 2011


«Mudam-se os tempos», mas nem sempre se muda a «vontade». E o que parecia ser a atitude mais normal, face ao actual progresso médico-científico, não corresponde a maior parte das vezes à realidade. Ainda se vive com «medos, vergonha, discriminação, estigmas», em particular no que respeita à «doença mental». Situações de que a sociedade e as famílias, em ambientes urbanos, ainda não conseguiram libertar-se de todo.
«Infelizmente, verifica-se isso pela dificuldade das pessoas em irem ao médico psiquiatra, medo de ser apelidado louco, um preconceito secular, mas que, hoje, não é admissível», considera o conceituado psiquiatra português Adriano Vaz Serra.
Orador convidado nas recentes Jornadas Hospitaleiras de Saúde Mental, no Funchal, o Professor jubilado da Universidade de Coimbra disse ao JM que falta uma «mensagem de humanismo», mais «compreensão e respeito pelos doentes mentais»; ao mesmo tempo que é preciso «promover a sua recuperação e inserção social», para assim se acabar com a «estigmatização que os rodeia».
Os níveis de estigma são vários, a começar pelos próprios pacientes, as familías, até à aceitação social. «A nossa obrigação é identificá-lo, reduzir o seu impacto e aceitar este tipo de pessoas», explica o Prof. Vaz Serra.
«Aceitar», neste caso, «significa fazer o tratamento adequado da doença, fazer também com que a família a aceite, porque nem todas as famílias gostam de aceitar um seu familiar que se tornou doente mental; e, depois, se o doente não tem capacidade de se manter na comunidade em termos de sobrevivência, é muito útil que haja alguma instituição que o possa aproveitar nas aptidões que tem», visando a sua «inserção em qualquer actividade produtiva que lhe possa dar independência, autonomia pessoal», propõe.

Meios de diagnóstico e tratamento cada vez mais eficazes

Para o especialista em psiquiatria, não há razões no nosso tempo para sustentar a «estigmatização», ou a «intolerância», em relação à doença mental. «Primeiro, porque há muito melhor informação do que é um quadro clínico psiquiátrico; segundo, há uma identificação muito mais precoce a respeito destas identidades; e em terceiro lugar, há muito mais capacidade de intervenção em termos de psico-farmacologia, de psico-terapêutica, que nos coloca muito para além do que aquilo que se verificava há 50 anos», lembra o Professor Adriano Vaz Serra. 
Nestas circunstâncias, «a justificação de estigma torna-se cada vez menor e não há, de facto, necessidade de manter essa justificação», acrescenta.
Por outro lado, nos dias de hoje, verifica-se que o chamado «doente psicótico, isto é, aquele que devido à sua doença perde a consciência crítica da realidade», tem ao seu dispor um «tratamento eficaz», pelo que «é capaz de manter, por exemplo, a sua actividade profissional».
«Conheço um professor do ensino secundário nessa situação que, para além do trabalho, também mantém o seu casamento de forma harmoniosa. Isso significa que são pessoas como outras quaisquer e que são capazes de cumprir com as suas obrigações, desde que sejam devidamente tratadas, compreendidas e aceites pela sociedade em geral», relata Vaz Serra.

A importância de se falar em saúde mental

Adriano Vaz Serra, psiquiatra e Professor jubilado de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, recorda dados oficiais da Organização Mundial de Saúde que referem que «as perturbações mentais correspondem a 8,1 por cento da carga mundial de morbilidade». Uma percentagem «maior do que aquela que se encontra em todos os tipos de cancro» e que «aumenta para um número substancialmente maior, se forem consideradas as perturbações do comportamento associadas ao abuso de substâncias, à violência e ao suicídio».
Por outro lado, não é só o problema da incapacidade que “rotula” as doenças mentais. Na actualidade, «também o estigma continua a ser um atributo negativo nas as relações sociais». 
«Estigma» que, sublinha o especialista, dá origem à «vergonha, acusação, falta de vontade, segregação, isolamento, exclusão, criação de estereótipos e discriminação».
«O estigma da saúde mental ainda está presente na sociedade actual», refere o Professor. Parafraseando o poeta (Luís de Camões), com a «mudança dos tempos» é urgente a «mudança de mentalidade», neste caso, em relação à doença mental.

Breve currículo

Adriano Vaz Serra, professor Catedrático, jubilado, da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra .
Reputado psiquiatra a nível nacional e internacional, é autor de vários trabalhos científicos publicados em revistas da especialidade. 
Escreveu os livros “O stress na vida de todos os dias” e “O Distúrbio de Stress Pós-Traumático”.
O “stress»” é, aliás, uma das áreas preferidas da sua investigação; tendo inclusivé sido convidado pela Organização Mundial de
Saúde, como “Consultor Temporário” nesta matéria.
Neste mês de Março, esteve no Funchal, como orador convidado das Jornadas sobre sáude mental promovidas pela Casa de Saúde Câmara Pestana (Irmãs Hospitaleiras).

Infraestruturas intermédias de apoio

No campo do tratamento em geral, e numa primeira medida auxiliar, o “doente” vai «a uma consulta externa para que seja tratado e medicado. Felizmente, hoje em dia, pela capacidade que se tem da medicação, na grande maioria dos casos, a pessoa pode tratra-se em regime ambulatório».
Mas, em relação aos casos mais graves, por exemplo, «o transtorno psicótico», em que a pessoa «não se aceita como estando doente, não compreende a necessidade de tomar medicação, e torna-se agressiva, etc., nessa altura justifica-se o internamento hospitalar». Mas, «depois do internamento é preciso fazer com que o doente volte à comunidade». E «aqui é que as coisas se complicam, pois, nem todas as famílias gostam de aceitar o seu doente mental; então é necessário criar estruturas intermediárias, onde o doente possa ficar alojado, protegido», defende o Professor Vaz Serra.

Integração social é medida urgente para curar doença

Para além de todas as possibilidades existentes para a sua recuperação, há uma medida imprescindível para o doente mental: «a sua integração social», aponta Vaz Serra.
Há necessidade de se «arranjar um emprego onde a pessoa recuperada se possa inserir e ganhar algum dinheiro, porque quem não é independente torna-se dependente e o seu comportamento será influenciado pela dependência que tem; o ideal seria que se torne autónomo», afirma o Professor.
No entanto, «ainda há muito a fazer neste campo», reconhece. «Se não se providenciar e permitir ao doente mental a sua autonomia, muito pouco está feito», lamenta o Catedrático jubilado de Psiquiatria da Universidade de Coimbra, em declarações ao JM.

Família constitui melhor defesa contra inimigos

«Se a família for unida, pode-se ter uma boa defesa contra os inimigos internos e externos», entende o Professor Vaz Serra.
«É importante essa coesão e que a abordagem familiar seja tentada, mas falta muito para se caminhar nesse sentido», diz.
«Os distúrbios da vida familiar, as perdas, as rupturas de relacionamentos, o stress e o mau viver contribuem fortemente para este estado de coisas. As pessoas desenvolvem um estilo de vida antinatural, ou patológico, e as consequências são as piores». 
«A família e os amigos» são as «melhores defesas» no relacionamento social do “doente mental”, garante o psiquiatra.

3 comentários:

  1. Olá :D
    Nós somos um grupo de AP de Chaves, e o nosso projecto de AP são os transtornos mentais nos jovens (suicídio, depressão, hiperatividade e stress escolar) , adoramos o vosso blog , e gostaríamos de propor uma troca de informações sobre este tema e actividades que têm desenvolvido. Uns alunos do Montijo também entraram em contacto connosco, é bom saber que não estamos sozinhos ;)
    Aqui deixamos o nosso mail: adiliamota_nunes@hotmail.com

    O grupo
    Adília Nunes
    Daniel Oliveira
    Daniela Alves
    Fernando Pinto
    Gisela Fernandes
    João Borges

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  2. Bela abordagem de algo que vivencio, não compreendo nem consigo transmitir; identificado pelos desacertos, de toda ordem, ainda existo, não por resistencia mas por incompetencia, após tentativas de extirpar este mal pela raiz. Obrigado pelo cuidado neste dialogo virtual, muito me ajudou.

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  3. Ola caminhante! Gostavamos de lhe transmitir o nosso enorme contentamento por saber que o podemos ajudar através desta nossa iniciativa. Um grande beijinho e muita força!

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