Temos um terror da loucura. E o que nos mete medo, desconfio eu, não são os loucos propriamente ditos, os que como canta a Ala dos Namorados nos fazem duvidar de que o mundo gira ao contrário e os rios nascem no mar, nem tão pouco os que debitam discursos incompreensíveis à porta do café e juram ouvir vozes, mas o medo de que acordem a loucura que todos sentimos ter dentro de nós. É por isso, tenho a certeza, que instintivamente nos apressamos a escondê-los atrás das paredes de um hospital, lá longe, onde não nos possam contagiar, no lugar dos loucos, por oposição ao nosso, o daqueles que sabem o que fazem, que se controlam e comportam como ‘deve ser’.
Foi por isso que, durante séculos, os fechámos em manicómios, e o tabu impediu que tanta e tanta gente procurasse ajuda para as suas angústias, depressões, ansiedades e desequilíbrios que são, afinal, a prova de que estamos vivos, pensamos e sentimos, e nem sempre conseguimos sozinhos libertar-nos das teias que vamos tecendo, tantas vezes na nossa ânsia de conformidade. Hoje sabemos muito mais sobre a doença mental e há mais meios para tratar os seus distúrbios de uma forma mais humana, e sem tantos efeitos secundários, embora tantas vezes, por falta de dinheiro ou por omnipotência, se opte por fazer engolir comprimidos como se fossem panaceia para tudo.
A notícia de que em Portugal as Unidades Terapêuticas Comunitárias vieram para ficar, com a inauguração, ontem, do Espaço Terapêutico Comunitário e de Saúde Mental do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, em Vila Franca de Xira, trás com ela a esperança de que sejamos capazes de aceitar a doença mental, recusando rótulos, permitindo que as pessoas sejam tratadas e apoiadas sem terem de sair do seu ‘lugar’, evitando sempre que possível internamentos. Talvez, aos poucos, comecemos a aceitar melhor a nossa complexidade.